GARUPA,
OU CO-PILOTO?
Hoje, quero falar da categoria mais injustiçada no motociclismo:
O GARUPA, que eu aqui
vou preferir chamar de PASSAGEIRO.
Vou começar
falando da experiência viajando junto com minha mulher como passageira
centenas de milhares de km.
Eu, pilotando a moto
e ela ali, fiel, coladinha em mim, acreditando e confiando em tudo o que
eu faço durante horas e horas em muitos horizontes.
Foi sempre assim?
Ela nasceu sabendo o que fazer em cima de uma moto ?
A coisa é simplesmente
terminar de arrumar a bagagem e as valises, colocar tudo na moto e, no
espaço que sobrar, você coloca a sua passageira?
(Aliás, tem muitos que ainda instalam uma mochila enorme nas costas
da pobre parceira...)
Nada disso. Stop.
Vamos retomar o assunto.
Quanto tempo nos últimos anos você gastou com sua passageira
para explicar como funciona o princípio da motocicleta?
Lembro de um amigo
que, vendo com admiração nossas viagens, minha mulher e
eu ali, juntos, enfrentando as fronteiras desse mundo, me disse:
Ah, você é
tem sorte, minha mulher não quer mais nem saber da moto....
E eu pergunto: E você tentou fazer com que ela goste?
Claro! Levei ela comigo de Sampa a Campos do Jordão em um domingo
na minha DUCATI Monster super esportiva.
Foram somente 400 km, ida e volta e chovia um pouco....
Ela tinha bom equipamento?
Bem, uma jaqueta de nylon e bons tênis Nike, sem luvas.
Seguramente ela voltou
cansadíssima, irritada, molhada e gelada.
Nunca mais. Ele perdeu ali a parceira para a moto.
Essa história
caricatural é um pouco o que acontece com muitos motociclistas
que colocam suas parceiras em uma moto pela primeira vez, como se coloca
alguém que vai fazer Paraglider começando pela Pedra da
Gávea....
Com minha mulher,
pelo simples fato de que ela não sabe nem andar de bicicleta, inciamos
muito suavemente a fazer passeios de 1h, passeios de uma tarde, de um
fim de semana e, quando ela mal percebeu, estava indo comigo da França
até a Rússia, 8500 km!
Um pouco como a história
do Paraglider, você começa baixinho e, quando percebe, já
está saltando do topo de uma montanha.
Acredito que sua garupa
pode ser muito mais do que outra peça de bagagem: Ela pode ser
seu co-piloto.
Quando a gente viaja,
vai vendo passar aqueles inúmeros quilômetros com relativa
facilidade. Estamos ocupados pilotando a moto, verificando o computador
de bordo, brincando com o GPS, calculando quantos kms faltam para a próxima
pausa, etc.
Enquanto isso, nossa parceira faz o que? Não faz nada.
Fica ali, olhando
a paisagem, se houver uma e se ela tiver altura suficiente para poder
ver por sobre o seu ombro e pensando o que ela está realmente fazendo
ali... Fidelidade, meu caro, tem limite.
Foi aí que
minha mulher e eu começamos a desenvolver idéias para que
a viagem de moto tenha para ela a mesma dimensão que tem para mim.
Vamos ver se eu consigo
enumerar algumas dessas técnicas, se é que podemos chamá-las
assim:
Intercomunicador nos capacetes – Importante poder conversar. Esse
negócio de sua parceira ter que te dar um “cascudo”
no capacete para te dizer que quer parar para fazer xixi é muito
tosco. Não serve em uma viagem de várias semanas.
Além do mais,
você aproveita a estrada para levar aquelas conversas longas e colocar
em dia um monte de “probleminhas” do casal.
Lembre-se que ela
não vai poder abandonar a conversa pois vocês estão
a mais de 100 km/h na estrada. (a Daehr, alemã fabrica um equipamento
muito bom, fácil de instalar em qualquer capacete. O meu, ainda
é por cabo, com cada um de nós conectados na moto).
Equipamento pessoal – Ela tem que ser o mesmo equipamento seu. No
nosso caso, minha mulher e eu usamos o mesmo material e variamos a cor.
Assim, quando chover, fizer frio, calor, neve, poeira, vento, etc. O que
você sofrer, ela sofre (ou não) da mesma forma. Se você
estiver bem protegido, ela o estará também.
No
meu caso, como uso a Jaqueta Rallye Pro 3 da BMW, tenho um grande bolso
nas costas que minha mulher usa como depósito para colírio,
batom, mentas, chocolate, creme hidratante e todas essas coisas absolutamente
essenciais que as mulheres insistem em levar com elas. (Deixe ela levar,
você nunca sabe quando vai bater aquela abelha no seu olho e você
vai precisar daquele colírio esperto que ela carrega...)
Vigilância na estrada – Minha mulher comparte comigo o espelho
retrovisor esquerdo. Faço a regulagem do espelho de forma a que
nós dois possamos ver o que nos segue ou o que tenta nos ultrapassar.
Combinamos que uma leve pressão de sua mão na minha cintura
indica que estamos sendo ultrapassados ou que vem um carro, pela direita,
ou pela esquerda segundo o lado da pressão. Várias vezes
ela me tirou do aperto pois, está claro que quatro olhos vem muito
melhor do que apenas dois.
Fotos
– A maior parte de nossas viagens se passa em pequenas estradas
do interior. Assim, temos tempo de apreciar a paisagem e estamos todo
o tempo comentando o que vemos e o que está acontecendo ao nosso
redor.
Uma
das atividades que minha mulher mais gosta enquanto rodamos por esse mundão
é a de fotografar a paisagem. No final do dia, revisamos as fotos
e apagamos aquelas que não servem. Mesmo assim, muitas fotos registram
lugares que passamos e que não tínhamos percebido sua beleza.
Navegação e Planejamento – Planeje com ela as etapas.
Nossa parceira pode ajudar enormemente na navegação. Você
pode colocar, aplicado com velcro, um porta-mapas nas costas de seu blusão
e sua parceira pode ajudá-lo a localizar-se. Esta ajuda é
muito bem vinda mesmo quando você tem um GPS instalado.
Bagagem
– Comparta a organização da bagagem. Mulheres são
em geral mais organizadas do que nós. Proximamente escreverei sobre
a viagem a dois e a bagagem.
Abastecimento
e pagamento - Um abastece, o outro vai pagar o posto de gasolina, etc.
Pausas de descanso – Veja com ela qual o limite do conforto das
etapas entre pausas de descanso. Em solo, você pode fazer 3 ou 4
horas sem parar, a dois, você deve ser muito mais freqüente.
Acostume-se a parar a cada 1:30 h com 15 minutos apenas de pausa. A viagem
vai render muito mais.
As
idéias acima são apenas algumas sugestões para fazer
de sua viagem com sua parceira uma atividade em equipe. Com isso, você
terá em sua passageira alguém muito mais disposto a enfrentar
os desconfortos de uma viagem de moto.
Ela
será parte da viagem e o prazer será muito mais do que o
dobro.
Lembre-se:
Se ela estiver descontente, sua viagem vai ficar muito mais longa e nem
um pouco divertida... A moto é um espaço demasiado pequeno
para desentendimentos.
Depois
destes comentários, deixe-me lembrá-los que para nós
motociclistas, rodar em moto é algo praticamente evidente e óbvio.
Estamos fazendo isso há anos e temos a experiência para chegar
onde chegamos.
Se
você convidar alguém para viajar junto que não está
habituado à motocicleta, lembre-se de tomar seu tempo para lhe
explicar as suas regras de segurança, cada um tem as suas. Explique
a ele/ela quando e como subir e descer da moto, como se comportar em caso
de aceleração, de frenagem, em curva, com a moto parada,
etc.
Explique
tudo isso antes de sair, sem o capacete e sem pressa.
Seja
amável com ela e certifique-se que ela entendeu as suas explicações.
Uma
vez que vocês estejam prontos, enquanto a moto esquenta o motor,
verifique se seu capacete está bem colocado e que a jugular está
bem fixa mas sem apertar, o colarinho do casaco fechado, luvas ajustadas,
a calça cobrindo as botas e as mangas bem ajustadas para evitar
a entrada de frio.
Lembre-se
que sua parceira está mais exposta ao frio e à chuva do
que você e precisa ser protegida não só contra esses
elementos mas também no eventual caso de uma queda. ( Não
gosto de falar disso mas é sempre uma possibilidade).
No caso de uma garupa de “primeira viagem”, faça um
esforço para nos primeiros minutos assegurar uma conduta suave,
sem acelerações bruscas e mais lentamente do que de hábito
para você.
Um bom motociclista saberá dar confiança a seu passageiro
e seguramente não conduzirá a moto da mesma forma que quando
está em solo.
O passageiro,
ou a passageira, deverá poder se manter na moto sómente
apoiada por suas pernas, sem ter que se segurar no apoio lateral ou no
piloto.
Um
bom e simples teste para isso é que o garupa possa se levantar
um pouco da sela, descolando o traseiro, sem usar suas mãos. Faça
esse teste com ela.
Um
dos melhores exemplos de trabalho em conjunto entre piloto e passageira
que vi na minha vida foi em uma viagem que fiz ao Marrocos em 2007 e que
incluía um tour pelo Sahara. (Já no site Rotaway)
Visitaríamos Merzuga, umas dunas magníficas na entrada do
grande deserto onde nos hospedaríamos em um campo Berbér
e teríamos que pilotar por 60 km fora de estrada. Precisaríamos
pilotar em pé para poder baixar o centro de gravidade da moto e
ter mais estabilidade, sobretudo, porque viajávamos com motos muito
carregadas.
Eu
estava viajando em solo mas um amigo e grande parceiro de viagens, Cláudio
Giacosa, um bravo italiano, viajava com sua esposa em uma GSA.
Cláudio
e sua mulher fizeram os 60 km em pé nos estribos, ambos, em uma
perfeita sincronização naquele terreno traiçoeiro
entre poeira e areia.
Ela,
em pé, segurava firmemente o cinto de seu marido enquanto pilotavam
com destreza e segurança através do Sahara.
Devemos
levar em conta que a moto muda de atitude quando temos o passageiro e
o extraordinário prazer de rodar a dois exige alguns ajustes na
motocicleta, como a pressão dos pneus ou a regulagem da suspensão.
Você
deverá ajustar as suas distâncias de aceleração
e frenagem ou mesmo, o tempo de ultrapassagem que já não
será mais o mesmo.
Sua
passageira, em suma, deverá estar confortável e a melhor
maneira de chegar a isso cabe a cada um de nós descobrir.
O que
eu sei é que, compartir a maior parte de minhas viagens com minha
companheira de toda a vida, acrescentou algo misterioso e importante em
nossa relação:
A cumplicidade.
Somos culpados de muitos quilômetros juntos.
Boa estrada e grandes viagens a dois para vocês.
Ricardo
Lugris
França, 16 de Novembro de 2010
Fale com Ricardo Lugris
ricardolugris@rotaway.com.br
http://www.rotaway.com.br
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